O Subsolo do Vinho

Por Mary Winston Nicklin

A fértil porção de terra ao redor do Loire — próxima ao delta do poderoso rio no Atlântico — é conhecida por seus impressionantes chateaux renascentistas. Mas, abaixo da superfície, há todo um trabalho subterrâneo. Na margem sul, perto de Saumur, mais de 1.000 quilômetros de galerias subterrâneas abrigam adegas, “fazendas” de cogumelos e mesmo extensões da típica maison francesa. Estas cavernas foram escavadas quando se extraiu o calcário branco local, conhecido como tuffeau, para construir castelos, igrejas e vilarejos que reluzem à luz da ensolarada região do Loire.

Em ambos os lados de cada rua de Varrains, grandes muralhas brancas protegem mansões históricas dos olhos invejosos. Por séculos, as vinícolas vizinhas competiram umas com as outras enquanto trabalhavam o solo, colhiam as uvas e envelheciam os vinhos nas cavernas subterrâneas. Este é o coração da região vinícola de Saumur-Champigny, onde gerações de vinicultores desenvolveram seu conhecimento e aproveitaram um terreno único. A composição geológica da região — argila, solo de calcário e tuffeau — permite que a terra absorva o calor do sol durante o dia e o difunda pela noite, nutrindo as vinhas que são beneficiadas por um clima ameno, em uma área não muito distante do oceano. (Champigny vem do latim Campus Ignis, que significa "campo de fogo".)

Há muito tempo ofuscados pelos vinhos da Borgonha, os Saumur-Champigny são um AOP inigualável (antigo sistema de classificação de origem controlada), — reconhecidos como um vinho tinto de qualidade. Deste modo, eles têm grande valor. O representante perfeito desse tinto encorpado, feito de uvas Cabernet Franc, é o Les Lizières 2010, de René-Noël Legrand, o mais recente destaque em uma longa lista de produtores de vinho (a 11a geração, na verdade). Esta garrafa foi servida em 2011, na Maison du Vin, do Vale do Loire, para promover o AOP do Saumur-Champigny.

"Os vignerons da Saumur-Champigny estão conscientes de que é um privilégio ser parte dessa designação. As parcelas de terra para cultivo são pequenas, já que as propriedades foram divididas entre as gerações sucessivas ao longo dos anos", explica Legrand num intervalo enquanto poda as videiras após dias de chuva pesada. Sua sala de recepção é reconhecível a partir do rótulo de seu antigo vinho, que representa uma cena de caça sob um céu azulado. Datando do século 19, o mural na parede do cômodo foi classificado como monumento histórico.

Legrand foi o primeiro vinicultor de Saumur-Champigny a perceber a importância de produzir menos vinho, com mais qualidade. Por séculos, o vinho tem sido produzido em quantidades enormes, com menor teor alcoólico, para o consumo abundante no dia-a-dia. "Os vinhedos cobriram a França para satisfazer a demanda", explica Legrand. Ele foi pioneiro em plantar grama entre as fileiras de vinhedos, cujas raízes competem com as das vinhas, mantendo-as assim no tamanho adequado. Hoje, uma das regras da AOP é a proibição do uso de herbicidas na grama. Os 14 hectares de Legrand são compostos de uvas Cabernet Franc colhidas à mão, o vinho é envelhecido em barris de carvalho e colocado em garrafas no ano seguinte. (Antes de 1950, os vinhos de Legrand eram vendidos em barris.)

Publicações especializadas como Gault Millau e Hachette elogiam a poesia dos "vinhos com personalidade" de Legrand — também visível em uma de suas fotografias, que captura as orquídeas que prosperam na vinícola. Os vinhedos têm cerca de 50 anos de idade, alguns foram plantados muito antes, em 1927. A técnica vinícola de Legrand conta, portanto, com um amplo conhecimento da região carregada de história. Antes cultivadas pelos monges da Abadia de Fontevraud, no século 8, as vinhas acabaram por cair sob o domínio do Conde de Anjou, e quando Henrique Plantageneta tornou-se rei da Inglaterra, em 1154, a demanda pelo vinho Saumur explodiu do outro lado do Canal da Mancha. Destruídas durante a guerras da Vendeia (1793-1796) e replantadas pelos monges oratorianos, esses vinhedos também foram celebrados pelos aristocratas parisienses, que enviavam seus filhos para a famosa escola de cavalaria de Saumur e compravam cobiçadas porções de terra.

Logo a filha de 27 anos de Legrand, Clothilde, assumirá o negócio, continuando a tradição vinícola como a 12a geração, e promovendo a AOP internacionalmente. (Os vinhos de Legrand são atualmente vendidos na Califórnia, no Québec e no Japão).

Fora de casa, uma rampa de pedra desce até a caverna. Clothilde transita facilmente entre as galerias, apontando um antigo banheiro e um forno de pães escavados em tuffeau. No século 19, o porco e a vaca da família tinham, cada um, seu próprio cômodo subterrâneo com cochos esculpidos na rocha. Mais fundo ainda, uma antiga prensa de uvas ocupa um cômodo cavernoso, iluminado por uma abertura de ventilação que também modera a temperatura. A coleção de fósseis de Legrand — conchas pré-históricas embutidas em pedras e encontradas nos campos — decora o mundo subterrâneo.

Ao final do corredor, Clothilde sorri com orgulho enquanto observa o fungo em forma de teia que recobre garrafas de séculos de idade. Um depósito digno de um rei da Renascença.

Val de Loire